05 setembro 2014

O jeito de falar pernambucano

Por 
PAULO CAMELO
Médico e escritor
Recife - PE
camelo.paulo@gmail.com








O JEITO DE FALAR PERNAMBUCANO

O Brasil é um país de dimensões continentais e um único idioma. Embora alguns linguistas falem em “dialetos”, o idioma é o mesmo e as regras se mantêm em qualquer região. O que muda – e é muito em alguns aspectos – é a maneira de falar, é o vocabulário próprio, é o aspecto fonético e fonológico de cada região.

Alguns aspectos me fazem renunciar à tese de dialeto: a gramática única, a coincidência da maioria das palavras e expressões em todas as regiões e a possibilidade de diálogo inteligível entre habitantes de regiões diferentes. Mesmo assim, há características regionais que levam os especialistas a manter tal tese de dialeto. E isso se dá no âmbito do falar, e não no do escrever.

Eu nasci e me criei em Pernambuco. E sempre falei como se fala em Pernambuco. Mas eu achava engraçado ouvir as pessoas falando com corruptelas, e tais fatos me levaram a iniciar um rudimento de pesquisa linguística para saber por que assim eram pronunciadas as palavras, quais os significados originais ou de onde provinham.

Como em todo idioma, vemos, em nosso, uma diferença entre o idioma escrito, ou culto, e o idioma falado, ou vulgar. A variante do idioma vulgar que chama atenção é o falar errado, que dá lugar a uma deturpação do idioma escrito, fazendo aparecer pseudoidiomas (que mais se parecem dialetos) em cada região do país, como o denominado pernambuquês, que nada mais é do que a expressão escrita do falar errado do pernambucano inculto.

É sempre bom fazer uma diferenciação entre o falar pernambucano e o chamado pernambuquês, pois este mostra um pseudoidioma deturpado, depreciado e caricato. Ao contrário, o pernambucano médio – e mesmo o inculto – fala de uma maneira que a maioria dos falantes lusófonos entende.

É caricata e depreciativa a grafia insistentemente errada feita por alguns escritores, quando só o que muda é algum fonema, mais fechado aqui ou ali, aberto em outras ocasiões, sibilado ou com exclusão de sílabas ou do “s”, “r” ou “l” finais.

Assim, se em alguns momentos o nativo faz concordância falha, o que mais se pode fazer é mostrar essa falha de concordância, e não grafar erradamente uma ou outra pronúncia mais fortemente denunciadora.

Quando o pernambucano diz “nós vamos falar”, deprecia-se seu falar escrevendo “nóis vamu falá”. Isso é inversão de valores, parecendo que a forma vulgar interfere na culta, ao invés de ser sua variante.

Vemos isso em várias ocasiões. Até um bloco carnavalesco envereda por esse erro. Ao querer registrar a variante vulgar de não concordância nominal e uso de fonemas característicos, escreveu “Nóis sofre mais nóis goza”, quando o “Nós sofre mas nós goza” mostraria essa variante sem assassinar o léxico.

O falar pernambucano sofreu influência dos idiomas nativos indígenas, mormente o tupi e sua vertente tupi-guarani. Os termos dali advindos estão mais arraigados em uma ou outra região e, desses termos, tomamos propriedade, como nossos. Assim são: catapora, tipoia, pereba etc. São de nosso uso desde sempre, porém não se limitam a nossa região. 


Sofreu, também, influência dos idiomas africanos que vieram com os escravos. Recebeu carga linguística dos holandeses, dos americanos e, por tabela ou indiretamente, de outros povos e outros idiomas, tais como o árabe, o francês, o espanhol, entre outros. 

Com o tempo e as várias influências, algumas palavras ou expressões foram se apagando e, se não postas em uma obra e publicadas, podem desaparecer por completo. E esta foi uma das razões por que eu me propus a escrever o “Dicionário do falar pernambucano”. 

A internet, o mais recente meio de comunicação, faz com que se globalizem os termos, as palavras, as expressões. E muitas daquelas que antes eram características ou exclusivas de uma região, um estado, uma comunidade, passaram a ser ditas e escritas por outras pessoas, de rincões tão distantes dos locais de origem. Isso faz com que utilizemos, muitas e muitas vezes, termos que nem parecem mais ser de origem regional, e também capturemos outros originários em outras regiões e já encravados em nosso falar de tal modo que nos parecem familiares desde criancinhas. 

A globalização trouxe três fenômenos no modo de falar de um povo: a exportação, a importação e a substituição de termos. Dessa forma, corroborando o dito acima, podem ser encontrados termos de origem em outras plagas, como podem também existir aqueles já do conhecimento de muitos. Há, também, aqueles termos que, substituídos, saíram de circulação, e muitos dos que hoje usam o falar pernambucano talvez não os conheçam, por arcaísmo, por desuso.

As expressões e os ditos são outros aspectos importantes no falar regional, e o falar pernambucano não se diferencia disso. Utilizando termos de uso não necessariamente pernambucano, formamos expressões que na maioria das vezes só por essas terras são pronunciadas e entendidas.


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PEGANDO BIGU 
aboiar » v. t. d. - cantar um aboio; » s. m. - aboio. “Onde o forte aboia a sorte no seu canto de lutar.”  (Janduhy Finizola - “Glória”)
até Mané chegar » expr. - sem tempo determinado; sem hora para terminar. “Agora, Mestre Bentevi, pegue a sua viola pra nós cantar repente até Mané chegar, em honra da minha patroa e do mestre Quinca Tomaz...” (Zé Limeira, apud Orlando Tejo - “Prestando contas ao mestre”)
bigu » s. m. - carona. ETIMO - Inglês: be good (seja bom). Expressão utilizada pelos americanos, em trabalho no Recife durante a Segunda Guerra, ao pedir carona. “Do Colégio Pio X onde me hospedava à universidade, caminhei por uns vinte anos, somente aceitando bigu nos seis quilômetros se o tempo fazia-se chuvoso.” (José Rafael de Menezes - “Memórias de um escritor”)
caçoar » v. int. e t. i. - fazer caçoada; galhofar.
caçoleta » s. f. - medalhão com local para se colocar retrato, geralmente usado pendurado no pescoço.
bater a caçoleta » morrer. 
escuma » s. f. - espuma.
ETIMO - germ.: skuma = espuma. “Cervejinha é essa, Sá Marica? Só tem escuma!” (Luiz Gonzaga - “Karolina com K”)
mel-de-furo » s. m. - mel resultante da decantação do mel-de-engenho não cristalizado na preparação do açúcar-bruto; melaço; cabaú.
melé » s. m. - curinga do baralho.
passista » adj. e s. 2 gên. - dançarino do frevo.  “Ao ouvir um frevo tocado por alguma orquestra, o passista parte para algum lugar que nem ele sabe qual será.” (Reinaldo de Oliveira - “O frevo”)
pei » interj. - exprime ação imediata; » conj. aditiva – exprime ação imediata; então.
pei bufe »  acertou!; na mosca!
piojota » s. f. - 1) cepa de cana-de-açúcar; 2) (fig.) bebedeira. ETIMO - var. de peojota, da sigla POJ - Posto de Observação de Java.
piripaque » s. m. - mal súbito; desmaio. “Por que uma pessoa, gozando de boa saúde, tem um piripaque e morre?” (José Urbano de Andrade Almeida - “Quase”)
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Dicionário do falar pernambucano 

de Paulo Camelo. 
Editora Paulo Camelo - Recife - PE - 2014 - 288 páginas - 
I.S.B.N.: 978-85-904262-9-5 - Preço: R$40.00  
Sinopse: 2.280 verbetes correspondendo ao falar pernambucano. Substantivos, adjetivos, verbos, locuções, expressões que estão no falar cotidiano do pernambucano. Explicações, citações, etimologia. 288 páginas ilustradas. Capa e ilustrações do desenhista Fábio Maia. Acompanham referências bibliográficas e índice onomástico de autores citados. 
AQUISIÇÕES: camelo.paulo@gmail.com 
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