05 agosto 2014

O melhor da festa

Por
ALESSANDRA LELES ROCHA
Professora, Bióloga e Escritora
Uberlândia - MG
alessandralelesrocha@hotmail.com








O MELHOR DA FESTA

Quem não gosta de festa?! Imagino que todo ser humano em seu juízo perfeito gosta de se divertir, de comemorar, de extravasar a sua alegria entre amigos e familiares; afinal, ninguém consegue mesmo viver sob o jugo do trabalho, das obrigações, dos afazeres em tempo integral. A máquina humana precisa de modo imprescindível dos seus momentos de ócio para não enlouquecer.

Entretanto, enquanto “fazemos festa” o mundo não para de girar e a vida não deixa de seguir seu fluxo, repleto de alegrias e tristezas, esperanças e decepções, virtudes e defeitos. É aí que se encontra o grande paradoxo: equilibrar o bom senso e a euforia para não se perder nas garras de uma “ingenuidade crédula” que tenta, tão somente, afastar o ser humano da realidade e deixá-lo pertencer, ainda que por pouco tempo, ao berço de uma verdade idealizada. Ora, ora! Mas, sonhos e fantasias não têm sustentação! São como nuvens que se desenham e se apagam ao movimento dos ventos.  E como diziam os antigos, no alto de sua sabedoria, “o melhor da festa é esperar por ela”, porque depois nada mais resta do que lembranças de um tempo fugaz.

Terminada a Copa do Mundo de Futebol, a sociedade brasileira reflete bem essa situação. De conhecimento público, esse grande evento nos colocou diante de uma imensa linha divisória entre a razão e a emoção: como anfitriões, o encantamento despertado pelo futebol desporto – paixão nacional – e pelas disputas históricas entre as seleções; mas, que agora vê o seu brilho maculado por tudo aquilo que envolveu a preparação para a festa.  De repente descobrimos o custo financeiro, ético e moral que se esconde por detrás das ufanistas bandeirolas dependuradas pelas ruas e janelas.


Longe de um evento de poucos tostões, a Copa mostrou as cifras de bilhões em investimentos para ser realizada. Alguns até tentaram justificar que o retorno financeiro seria expressivo e “o fim justificava os meios”. Mas sabemos que não é bem assim! Na verdade, diante das crônicas mazelas sociais que se arrastam pelos séculos aqui na Terra Brasilis, bom mesmo seria aplicar esse dinheiro na construção de uma sociedade mais digna, verdadeiramente capaz de exibir a sua força cidadã. Ao contrário disso, mantemos a prática de oferecer do bom e do melhor para as visitas, enquanto escondemos o ronco do estômago vazio, a inabilidade com o próprio idioma, o descascado das “mobílias”, a ausência de bons modos,… enfim. Enquanto o “ópio da Pátria de Chuteiras” nos entorpece os sentidos, a base da pirâmide social brasileira sobrevive ao infortúnio da inflação, da ausência de atendimento médico-hospitalar nos serviços públicos de saúde, as escolas “desabam” de diversas formas sobre a cabeça de alunos e funcionários, os “arrastões” de violência fazem suas vítimas e engrossam as estatísticas,… etc. etc. etc.

Do ponto de vista ético e moral, a situação não foi melhor. Primeiro, porque não há “verniz” que consiga extirpar o nosso “ranço colonialista”. Ao primeiro grito de uma “metrópole”, ou instituição a ela ligada, nossa obediência bovina se aflora e passamos a cumprir ordens sem questioná-las. É verdade! Foi assim que a Federação Internacional de Futebol – FIFA “aceitou” nossa proposta de sediar a Copa do Mundo de 2014; mas, nos impôs a subserviência, inclusive, ferindo a nossa liberdade de expressão e proibindo quaisquer tipos de manifestação popular em relação aos problemas sociais do país, até mesmo cartazes nos limites das arenas onde se realizariam os jogos. Nossa tal “concordância” se legitimou através da Lei Geral da Copa (Lei n.º 12.663, de 5 de junho de 2012). De repente, ficou permitido “permitir” e a avalanche de possíveis violações aos direitos humanos, especialmente no que diz respeito às péssimas condições de trabalho dos operários das obras propostas no projeto, à informação e participação pública sobre a realidade dos fatos, às questões ambientais e ao direito do consumidor, ficou escancarada.  


Não há como negar que, apesar dos oito anos que separaram a escolha do Brasil como sede dos jogos e o evento propriamente dito, prometemos muito, demais; mas, muitas dessas promessas ficaram pelo caminho, apesar dos bilhões gastos. E entre o que foi e não feito, nos deparamos com a má gestão dos recursos e a fragilidade das obras, a qual culminou na morte de vários trabalhadores, o desabamento de elementos de mobilidade urbana (uma viga do Monotrilho, linha 17-Ouro, caiu na zona sul de São Paulo e matou um operário e feriu em estado grave outros dois e, mais recente, um Viaduto em construção sobre a Avenida Pedro I, parte das obras do BRT da capital mineira, desabou, matando duas pessoas e ferindo outras vinte) e tantos outros descasos com o cidadão brasileiro.)

Em meio a tudo isso e lendo a obra excepcional de Edson Monteiro – CORRUPÇÃO: uma endemia sem remédio? (Letra Capital, 2013) – mais reafirmo a minha discordância quanto à afirmação de Jean Jacques Rousseau, em seu O Pacto Social (1762), que diz “o homem nasce livre e bom, a sociedade o corrompe”.  Não, como na capa do livro a umidade aflora na fragilidade das paredes de uma construção, nós nos permitimos à maldade, à falta de ética e moral, por escolha.

Talvez, o quinhão de responsabilidade da sociedade seja o de unir as deformidades éticas e morais dos indivíduos, potencializando a força dessas na desconstrução da própria sociedade. Enquanto nos mantemos inertes e insensíveis às dores do mundo, do qual fazemos parte essencial, mas insistimos em dividi-lo segundo nossos próprios preceitos, e nos permitimos marejar os olhos de emoção, num exemplo de civismo superficial e torto já que não possuímos verdadeiramente a pujança da cidadania correndo pelas veias, isso é ou não é uma escolha?!  Como bem colocou Simone de Beauvoir, “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos” e a corrupção, entre tantos outros males que afloram do comportamento humano, só encontraria remédio eficaz se não despertasse no ser humano o péssimo hábito de justificar o injustificável, de encontrar sempre um modo de fazer das piores atrocidades um elemento indispensável ao bem-estar e à construção social. Portanto, de que lado queremos estar? Parece mesmo haver uma dificuldade imensa de compreensão do ser humano quanto a sua existência coletiva. O mesmo que se queixa da enxurrada de mazelas presentes no seu cotidiano de labutas e clama aos céus a providência divina da transformação; é o que apaga instantaneamente da memória tamanha rudeza mediante o agrado envolvido em “pão e circo”.

Infelizmente, ainda depositamos a nossa “felicidade” nas “chuteiras” alheias, quando deveríamos tomar as rédeas da vida nas mãos e sorver das próprias experiências o néctar de uma felicidade que pode até ser agridoce; mas, que contenha o alimento sagrado da nossa dignidade, da nossa identidade cidadã. Talvez o dia em que entendermos tudo isso, pensaremos duas vezes antes de despender nosso choro, nossas velas, nosso dinheiro; pois, como já dito anteriormente, o melhor da festa é somente esperar por ela.

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