04 julho 2014

Os ingleses em São Paulo

Por 
WALTER WHITTON HARRIS
Médico e escritor      
São Paulo - SP
wwharris@gmail.com








OS INGLESES EM SÃO PAULO

Sem dúvida, a maior contribuição dos ingleses no Estado de São Paulo foi durante a construção de estradas de ferro, ligando a capital ao interior e, principalmente, o interior ao litoral. Muitos bairros da cidade de São Paulo originaram-se pela existência das ferrovias, haja vista a Luz, Lapa e o Jardim Paulista, este último para os mais abastados. A comunidade era formada por quase dez mil pessoas, com o registro do primeiro inglês em São Paulo em 1808. Atualmente, não supera duas mil.

A cafeicultura foi a motivação principal para que São Paulo se tornasse um importante exportador de café, atingindo seu auge na economia de São Paulo durante a República Velha. Após a crise de 1929, gradativamente adquiriu uma posição secundária graças à instalação das indústrias. Mesmo assim, o Brasil permaneceu o maior produtor mundial de café.

A expansão da produção de café, nos meados do século XIX, atraiu o investimento dos britânicos em ferrovias, para facilitar o escoamento das fazendas situadas no interior do Estado para o litoral (Porto de Santos). Em 1868, foi desenvolvido o transporte ferroviário São Paulo-Santos, que foi a primeira e fundamental conquista da escarpa costeira paulista, a qual havia dificultado o desenvolvimento do planalto daquela região.

A primeira ferrovia no Estado de São Paulo foi a “Ingleza”, da São Paulo Railway Co., cuja construção começou em 1860 e foi concluída em 1867, com 109 km de trilhos. A companhia foi criada em 1856 e recebeu, por meio de Decreto Imperial, concessão para construção e exploração da ferrovia por 90 anos. Além de investidores ingleses, um dos maiores acionistas foi o Barão de Mauá. A concessão terminou em 1946, e a estrada de ferro passou, então, a ser denominada Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, sob o comando da União.

Em 1867, foi inaugurada uma singela estação, no bairro da Luz. Posteriormente, com o crescimento da demanda, ela foi ampliada. Em 1890, a São Paulo Railway Co. decidiu construir uma nova e faustosa estação, local de convergência das principais estradas de ferro e cópia da estação ferroviária de Sidney, na Austrália. Esta estação seria a Estação da Luz, que foi inaugurada em 1901. Compete com qualquer estação no Reino Unido ou, por sinal, com as de outros lugares do mundo, que tenham sido construídas pelos britânicos. A influência britânica em São Paulo pode ter sido esquecida, mas a Estação da Luz é testemunha viva da presença dos ingleses. Atualmente, algumas linhas trazem passageiros de regiões distantes da própria cidade. A unificação com o metrô aumentou ainda mais a importância desta estação que foi reformada há poucos anos.

Entre 1915 e 1919, a cinquenta metros da Estação da Luz, foi construída a Vila dos Ingleses, com 28 casas assobradadas, onde antes se localizava o jardim do palacete da Marquesa de Itu. A finalidade era a de alugar as casas aos engenheiros ingleses que viessem a trabalhar na Estação da Luz e na estrada de ferro. Seguia o estilo arquitetônico das vilas dos subúrbios londrinos, com raízes nos estilos elizabetano e vitoriano, com influência do colonial brasileiro. Na década de 1930, com a diminuição da mão de obra estrangeira, as casas passaram a ser ocupadas por famílias paulistanas. Atualmente, são escritórios e ateliês.

Vila de Paranapiacaba

Uma estação da São Paulo Railway foi, também, aberta em 1867, junto ao pátio de operações do sistema de cabos implantado pelos ingleses e centro de manutenção do funicular, no começo da descida da Serra do Mar. O nome da estação era “Alto da Serra”, mais tarde passando à denominação de Paranapiacaba que, em tupi-guarani, quer dizer: “donde se tem o panorama do mar”. Em 1896, construiu-se uma vila para os funcionários da São Paulo Railway com seu estilo inglês e sua beleza associada, por vezes, ao denso nevoeiro vindo da serra. Do outro lado da linha, formou-se uma vila que não acompanhou o estilo original inglês. A vila se tornou importante, porque era a última parada antes de se descer a serra. Em 1977, já havia outra estação, em virtude da anterior ter sido destruída por um incêndio. Nesta ocasião, foi salvo apenas o relógio, uma réplica menor da torre do Big Ben, que foi consertado e colocado sobre uma nova torre ao lado do prédio novo. Até 2001, a Estação de Paranapiacaba era atendida pelos trens da Cia. Paulista de Trens Metropolitanos. Após uns tempos, os trens somente passaram a seguir nos fins de semana e, depois, houve a suspensão total deles para a vila, sendo necessário chegar de ônibus ou automóvel até lá. Em 2002, a Prefeitura de Santo André adquiriu a Vila Inglesa, mas não a vila ferroviária, que continua abandonada. Está se tentando, aos poucos, restaurar a localidade, com o patrocínio de entidades particulares. Paranapiacaba encontra-se incluída como “um dos mais importantes monumentos do mundo”, pelo Fundo Mundial de Monumentos, que é uma organização sem fins lucrativos, com papel fundamental no resgate e conservação de localidades como o Vale dos Reis, no Egito, e a Grande Muralha da China.

Com a inauguração da “Ingleza” — a São Paulo Railway Co. —, muitos ingleses foram mandados para São Paulo para trabalhar na ferrovia. Entre eles, estava um engenheiro de nome John Miller. Aqui, casou-se com Harriet Fox. Em 24 de novembro de 1874, nasceu um filho, Charles William Miller, no bairro do Brás.

Em 1884, com 10 anos de idade, Charles Miller foi mandado para uma escola pública na Inglaterra, onde aprendeu a jogar futebol e críquete. Lá jogou a favor e contra times como o Corinthians Football Club e St. Mary. Retornou ao Brasil em 1894, para trabalhar na São Paulo Railway Co., tornando-se correspondente oficial da Coroa Britânica e Vice-cônsul inglês em 1904.

Vários britânicos, entre eles engenheiros da recém-construída São Paulo Railway e outros comerciários da cidade, tiveram a ideia de fundar um clube, onde pudessem jogar críquete, tão apreciado pelos ingleses. Isto foi feito em 1888, com a fundação da São Paulo Athletic Club (SPAC), conhecido como o Clube Inglês, hoje Clube Atlético São Paulo. O SPAC é considerado o clube mais antigo da cidade de São Paulo. Lá, Charles Miller foi essencial na criação da primeira equipe de futebol do Brasil. Era composta por altos funcionários ingleses da São Paulo Railway e outras entidades de língua inglesa, como The Gaz Co. (Companhia de Gás) e Bank of London and South America (Banco de Londres).

SPAC - com Charles William Miller no centro (1905)

Em abril de 1895, Miller organizou o primeiro jogo oficial de futebol, num terreno da Várzea do Carmo, entre equipes formadas pela São Paulo Railway (SPR) e da Cia. de Gás. O resultado foi de 4 a 2 para a SPR, com dois gols de Charles Miller. As primeiras disputas amistosas surgiram em São Paulo nos anos de 1899-1900, entre os clubes Germânia (atual E.C. Pinheiros), Mackenzie, São Paulo Athletic Clube e o E.C. Internacional, todos com sócios da elite paulistana e de várias origens: inglesa, americana e alemã. A Liga Paulista de Futebol surgiu em 1902, a partir de cinco clubes, os acima mais o Clube Athletico Paulistano. A liga organizou o primeiro Campeonato Paulista de Futebol. Tendo Charles Miller como artilheiro do time, o SPAC ganhou os três primeiros campeonatos, em 1902, 1903 e 1904.

Um dos eventos de destaque daquela época foi a visita do time inglês, o Corinthians F.C., em 1910, que estava ganhando todos os jogos no mundo amador do futebol. Estreou no Rio de Janeiro, goleando o Fluminense por 10 a 1. Em São Paulo, o SPAC perdeu de 8 a 2, apesar da boa atuação do time local. Um grupo de funcionários da São Paulo Railway ficou tão impressionado com a atuação dos ingleses, que resolveu dar ao clube que fundaria mais tarde o nome de Sport Club Corinthians Paulista. Foi Miller quem sugeriu o nome do primeiro presidente do Corinthians Paulista. Em 30 de junho de 1953, faleceu esse idealizador do futebol no Brasil.

Outros esportes trazidos para o Brasil no final do século XIX pelos ingleses que trabalhavam na São Paulo Railway e na The São Paulo Tramway, Light & Power Co., Limited (a Cia. Paulista de Bondes, Força e Luz, de origem canadense), foram o tênis e o golfe. As primeiras quadras de tênis foram construídas em 1892, no São Paulo Athletic Club.

Críquete no São Paulo Athletic Club - 1934

A chegada do golfe ao Brasil ocorreu de forma curiosa. Os engenheiros ingleses e escoceses, que construíam a ferrovia, convenceram monges beneditinos a ceder parte do terreno do Mosteiro de São Bento para a construção do primeiro campo de golfe do País, na região atualmente situada entre a Estação da Luz e o rio Tietê. A expansão da cidade em direção ao rio obrigou a transferência do campo, em 1901, para um local próximo à confluência das avenidas Paulista e Brigadeiro Luiz Antônio, local este, até hoje, denominado “Morro dos Ingleses”, devido aos tais “ingleses” que jogavam seu golfe ali. Fundou-se então o “São Paulo Country Club”, que teve o primeiro campeonato interno em 1903.

A presença dos ingleses em São Paulo, e a diferença linguística com o português, fez com que se reunissem em torno da conservação das tradições britânicas. O Clube Inglês cobria parte dessas necessidades, porém faltava um local próprio para os cultos religiosos, com a maioria inglesa de religião anglicana, havendo alguns presbiterianos, geralmente de origem escocesa. Com isso em mente, foi construída uma pequena capela, próxima da Estação da Luz, para acomodar a maioria que trabalhava na São Paulo Railway na década de 1860, em terreno doado pelo Barão de Mauá, consagrada, em 1873, como a St. Paul’s Anglican Church (Igreja Anglicana de São Paulo). Com a deteriorização do bairro da Luz, decidiu-se por uma nova igreja em Santo Amaro, o bairro onde havia importante concentração de ingleses e seus descendentes. A pedra fundamental foi firmada em 1962. A partir de 1995, tornou-se a Catedral para a diocese de São Paulo. Apoia várias entidades, como missões entre as favelas de São Paulo e uma casa para idosos da comunidade.

Outro aspecto importante era os cuidados com a saúde. Um chinês de Macau, o imigrante José Pereira Achao, contraiu febre tifoide durante sua viagem de navio para o Brasil, na segunda metade do século XIX. Na época, a higiene e saúde pública eram muito precárias. Hospitalizado na Santa Casa de São Paulo, o protestante Achao foi pressionado a converter-se ao catolicismo, prática comum nas instituições da época. De seu constrangimento, nasceu a ideia da criação de um hospital que acolhesse pessoas de qualquer credo, raça ou nacionalidade, sem distinção. Quando faleceu, em agosto de 1884, legou dois contos de réis (equivalente a 4.000 dólares de hoje) à Igreja Presbiteriana, para que sua ideia fosse levada a cabo. Em 1890, um grupo de imigrantes britânicos, norte-americanos e alemães, ligado às igrejas protestantes da cidade, uniu-se a tradicionais famílias paulistas para fundar a Sociedade Hospital Evangélico, que teve suas primeiras instalações inauguradas em 1894 e que se transformaria no Hospital Samaritano. A palavra “samaritano” deriva da Samária, cidade da antiga Palestina, onde havia um povo com características culturais bem diversificadas. Em sentido figurado, significa caridoso, bom, beneficente, por alusão ao personagem bíblico “O Bom Samaritano”, modelo de caridade. Era um atrativo para convencer os mais incrédulos de que valia a pena deixar a Inglaterra e vir trabalhar em São Paulo.

Ainda no século XIX, foi inaugurado o primeiro centro cirúrgico. O hospital foi dirigido pelo Dr. Lauriston Job Lane de 1907 a 1942, cuja grande influência consolidou a existência da instituição. Em 1895, foi contratada a primeira matron (enfermeira profissional), que veio da Inglaterra para dirigir os serviços de enfermagem — uma inovação — porque até o começo do século XX apenas religiosas trabalhavam nos hospitais do Estado.

Hospital Samaritano

 Nas décadas de 1940-1950, houve uma grande reforma do hospital, graças a importantes doações do Liceu de Artes e Ofícios, Nadyr Figueiredo, Com-panhia Antarctica, Moinho Santista, Rhodia, General Electric e General Motors do Brasil. Os primeiros cur-sos de enfermagem da cidade de São Paulo, por conta da Escola de Enfer-magem Job Lane, do Hospital Sama-ritano, iniciaram-se em 1948. Hoje, este hospital é referência mundial.

A inconveniência de se mandar os filhos estudarem na Grã-Bretanha — como foi o caso de Charles Miller — redundou na fundação de uma escola britânica em São Paulo. Em 1926, abriu-se oficialmente a St. Paul’s School, nos Jardins, bairro luxuoso da cidade.

O conceito de uma escola para membros da comunidade inglesa remonta a 1867, quando 30 crianças de funcionários ingleses da São Paulo Railway recebiam aulas do prelado da Igreja Anglicana de São Paulo. O número de famílias britânicas cresceu constantemente de 1867 a 1926, à medida que engenheiros, contadores, banqueiros e industrialistas britânicos vinham trabalhar na cidade em expansão. A Escola Britânica S.A. começou com 60 alunos e acomodações para 12 meninos internos, com a finalidade de providenciar uma educação aprimorada para os filhos de pais britânicos. Em 1927, foram adquiridos 18.000 m2 no Jardim Paulistano por 50 contos de réis, que o ex-proprietário usou para comprar ações da própria Escola, que depois doou para esta.

Nos primeiros anos da escola, meninos e meninas eram ensinados separadamente. Com o desenvolvimento da Escola, foram introduzidas aulas do idioma português, assim como História e Geografia do Brasil. Mais tarde, também admitiram-se meninas como alunas em regime de internato e as classes passaram a ser mistas. Cada vez ficou mais claro que muitas crianças completariam sua educação aqui no Brasil e não retornariam para o Reino Unido. Com essa finalidade, foi iniciado um curso ginasial brasileiro matutino, com aulas em inglês no período da tarde.

Em 1951, a Escola Britânica tornou-se a Fundação Anglo-Brasileira de Educação e Cultura (FABEC). O estatuto determinava que fosse uma fundação sem fins lucrativos, com o objetivo de desen-volver a educação e cultura (intelectual, física e espiritual) para jovens de ambos os sexos no Estado de São Paulo. Posterior-mente, providen-ciaram-se classes preparatórias para o ingresso nas univer-sidades brasileiras.

À medida que os anos passaram, a Comunidade Britânica de São Paulo teve de se preocupar com aqueles que não podiam ou não queriam voltar para a Inglaterra e tinham optado por permanecer no Brasil. A Fundação Britânica de Beneficência, já existente em 1947, recebeu, de Miss Helen Stacey, a doação de uma casa no bairro de Brooklin Paulista, com a finalidade de providenciar alojamento, alimentação, cuidados básicos e conforto para idosos de ambos os sexos.

A Stacey House, como passou a ser conhecida, permaneceu naquela localização até 1981, quando foi vendida, devido à “incorporação imobiliária”. Foi comprada outra casa, mais moderna, próxima ao Aeroporto de Congonhas. A Stacey House é a residência dos membros mais velhos da Comunidade que preferiam não morar sozinhos. Durante mais de meio século, vem recebendo o apoio de indivíduos da comunidade, bem como de muitas empresas. Assistência médica e de enfermagem foi sempre garantida, graças ao Hospital Samaritano, e pela atuação voluntária de profissionais da área.

Os residentes da Stacey House têm seus próprios quartos com extensão telefônica, banheiro individual e estão conectados a TV por cabo. Os funcionários da casa e voluntários providenciam exercícios leves, terapia ocupacional e passeios para os residentes. Também recebem inúmeros convites para atividades em clubes e nas residências de membros da Comunidade.

Com a diminuição do número de membros na comunidade para um quinto do que era há 80 anos, temhavido uma procura menor para a Stacey House e, atualmente, há poucos residentes. No entanto, a manutenção da casa e funcionários onera muito a fundação mantenedora. Em 2006, por ocasião da Festa de Aniversário da Rainha Elizabeth II, o seu representante anunciou que os moradores atuais seriam transferidos para outra residência de idosos e a Stacey House seria desativada. Foram dadas duas opções para os próprios residentes, que consideraram o Lar Sant’Ana como o que mais se aproxima da casa que foi seu lar por tantos anos.

Como na maioria das cidades do mundo, há uma regional paulistana da Legião Britânica de Ex-Combatentes. Reúne os ex-militares das várias guerras em que participou o Reino Unido. Na Catedral Anglicana de São Paulo, celebra-se uma missa especial, no domingo mais próximo de 11 de novembro, que coincide com o fim da Primeira Guerra Mundial, quando foi assinado o Armistício em Compiègne, após ocorrer o colapso do exército alemão em todas as frentes de batalha. Comparecem prelados de vários credos, representantes militares do Brasil e de outros países tradicionalmente aliados, e das Legiões Britânica, Francesa e Belga. São lidos os nomes dos membros da comunidade britânica em São Paulo que deram suas vidas nas duas guerras mundiais. Aquele domingo é conhecido como o “Dia da Papoula” e todos usam uma papoula vermelha artificial presa à lapela do paletó ou ao vestido, confeccionado por veteranos incapacitados. A arrecadação vai para um fundo de ajuda para mutilados de guerra, geralmente de outras guerras que não as supramencionadas, porque a maioria dos sobreviventes daquelas já se foi.

Estação da Luz

Meu pai veio, sozinho, para a Argentina, aos 15 anos de idade, em 1910, retornando para a Inglaterra para lutar na Primeira Guerra Mundial. Depois, voltou para a América do Sul, indo para o Paraguai. Somente em 1925 decidiu mudar de ares, vindo para São Paulo. O atrativo, como nos contou, foi o fato de haver mais oportunidades de trabalho aqui e também pela ótima assistência médica, devido à existência do Hospital Samaritano.

Minha mãe veio para o Brasil com nove anos de idade, em 1913, ficando num colégio interno, em Piracicaba. Seu pai fora “importado” da Inglaterra para trabalhar como contador numa firma inglesa que negociava café. Durante um tempo, a família morou na fazenda da firma onde trabalhava meu avô, em Matão, perto de Araraquara. Posteriormente, veio para a Capital.
Pois é, eu estou aqui graças a um cão. Meu pai, quando chegou a São Paulo, comprou um cão pastor alemão. Naquela ocasião, morava numa pensão alemã onde não se aceitava animais de estimação. Foi então obrigado a deixá-lo nos alojamentos do Alto da Serra, onde trabalhava na construção da usina hidroelétrica da Light and Power. Após um tempo, cansado das exigências da pensão, resolveu procurar outra. Leu um anúncio na revista “Times of Brazil”, noticiário mensal da comunidade inglesa, de circulação no eixo Rio-São Paulo, que não existe mais. Era de uma pensão inglesa não muito longe de onde estava. Lá, perguntou para o senhorio se poderia levar o pastor e este lhe respondeu que sim, pois a família gostava muito de cães. Meu pai então mudou-se para aquela pensão. No fim de tarde, após retornar do Alto da Serra, costumava passear para exercitar o cachorro e quem o acompanhava era a filha do dono da pensão. Preciso dizer mais alguma coisa? Era a minha mãe.

Após quase 150 anos de história dos ingleses na cidade de São Paulo, a convivência diária com os paulistanos e gente de outras origens nessa grande metrópole e a noção de que a maioria viera do Reino Unido para fazer sua vida aqui e aqui permanecer, fez com que houvesse uma profunda integração com tudo o que diz respeito à cidade. Recentemente, com o intuito de centralizar as atividades britânicas, construiu-se um edifício ao qual foi dado o nome de Centro Brasileiro Britânico (Brazilian British Centre), que abriga o Consulado Britânico em São Paulo, a Fundação Britânica de Beneficência, o Conselho Britânico, a Câmara de Comércio, a sede administrativa da Cultura Inglesa (cursos de inglês), um restaurante (The Bridge), um pub (Drake’s) e um auditório.

Uma preocupação constante para quem ainda é da primeira geração nascida fora da Inglaterra é a de que muitos dos descendentes, embora carreguem um nome ou sobrenome inglês, por vezes, nem são mais fluentes na língua de seus avós ou bisavós, tal a miscigenação inter-racial. Não há como se saber o que as futuras gerações dirão a respeito de um nome estrangeiro que levam. Portanto, é de suma importância que se procure fomentar a noção de quem foram os ancestrais. Pessoalmente, encontrei uma forma de assim fazer, através de uma biografia de meus pais, com inúmeras fotografias de família, além de documentos pertinentes. Meus netos nada saberão de seus bisavós se não a consultarem. Que dizer, então, de meus bisnetos, não é verdade?

Texto extraído do livro
HUNKY DORY - uma antologia de prosa e verso 
Walter W.Harris
Rumo Editorial - 2013 - 1a.edição
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