04 junho 2014

Realidade distante

Por 
RENATA IACOVINO
Escritora, compositora e cantora
São Paulo - SP
reiacovino@yahoo.com.br








REALIDADE DISTANTE

Eram outros tempos. Dos bens duráveis. Até o tempo durava. Hoje vivemos os descartáveis; o tempo passa sem que o sintamos.

Quase tudo é feito para ter vida útil curta. A utilidade desta vida? Resume-se a isto mesmo: ser útil, usável e pronto. Partir pra outra. Que, logo, já não é a mesma.

Eram outros tempos aqueles dos duráveis. Móveis não cediam às intempéries; roupas eram usadas até gastar; geladeira, aparelho de som, máquina fotográfica, televisor, liquidificador eram produtos que resistiam décadas; nós resistíamos a algo que, agora, tornou-se regra contrariar: éramos menos consumistas – termo, aliás, advindo da modernidade.



O moderno anunciou a diversidade de marcas e modelos em inúmeros setores, sob a máscara do excesso de acesso inerente ao sistema capitalista – caridosamente democrático e perversamente escravocrata.

Antes encontrávamos duas marcas de um produto e bem poucos modelos. 

Atualmente o nível de satisfação é inversamente proporcional à quantidade de coisas colocada no mercado. Mais opção, mais frustração. Atrelamos nossa felicidade ao ter e a colecionar gestos consumistas diários. Assim, relações humanas também parecem bens descartáveis. O contato que mantemos com o semelhante é raso; os assuntos, frívolos. Estamos dispersos e desatentos ao outro – desconcentração imperiosa conosco, inclusive.

Tempos que não são para brincadeiras na rua, conversa prolongada olho no olho, ou amizades incondicionais. Medo e insegurança regem nossos atos e suas ausências; a busca por um suposto amigo é guiada por utilitarismo e pragmatismo. 

Doenças que não se manifestavam, hoje estão à solta, mostrando que também nesse campo há diversidade.

O sucesso é fugaz. A música é exemplo. Enquanto saboreávamos um encarte de LP artisticamente elaborado, ouvíamos faixa a faixa do vinil. Hoje, na palma da mão carregamos centenas de sons que mal damos conta de ouvir.


Pessoas e coisas misturam-se, confundem-se, perdem identidades buscando encontrar-se em algo que, por estar longe, dificilmente alcançarão. O “dentro de si” parece um lugar distante da realidade.

______________________________________
Texto e imagem extraídos do livro Ocasos e Renasceres, 1.ed. São Paulo: Rumo Editorial, 2013, 
de autoria de Renata Iacovino. Todos os direitos reservados.



BAIXE A EDIÇÃO EM PDF
OPINIAS - Ed.01 - Junho de 2014

Nenhum comentário:

QUE PENA! O MUNDO DÁ VOLTAS

Por: ALESSANDRA LELES ROCHA Professora, bióloga e escritora Uberlândia - MG Algum dia você já se perguntou do que depende a s...